Desde que me lembro de mim, gosto muito de música. Além de escutar muita música, sempre gostei de pensar e de falar sobre ela. Sou um instrumentista amador: estudei um pouco de piano na infância e na adolescência, mais tarde me dediquei por algum tempo ao pandeiro, tive bandas e cheguei a tocar em bares e festas. Apesar de ter perdido a prática, ainda sei ler, aos trancos e barrancos, uma partitura. Digamos que, em termos de música formal, sou alfabetizado, mas não fluente. Gravei meia dúzia de faixas que se pode encontrar na internet com algum esforço — e ouvir com mais esforço ainda. E a coisa parou por aí, porque sempre houve uma grande incompatibilidade entre o que eu gosto de ouvir e o que consigo tocar. Com o tempo, esse desencontro se tornou insuportável — para todos — e preferi deixar o instrumento de lado. Confesso que vez ou outra cometo uma letra de canção, mas isso é outra história. Canção, para mim, está na gaveta da literatura. É outro papo.
Garimpar álbuns online, ao contrário do que se pode imaginar, é uma luta constante contra o algoritmo. A explicação é sucinta: ninguém sabe exatamente como funciona a caixa-preta, mas a experiência nos mostra que dois elementos são fundamentais no mecanismo coercitivo do Deus-máquina. Primeiro: ele opera sem criar rupturas na experiência de audição — em bom português, trabalha de modo que você não perceba que sua playlist terminou e que, a partir daí, as rédeas passaram para as mãos dele. Segundo: ele tenta empurrar goela abaixo (ou ouvido adentro) músicas que um grupo representativo de pessoas, que aparentemente tem o mesmo perfil de ouvinte que você, está escutando. O problema é que, na luta contra o programa, você nunca sabe se o que está escutando é fruto de uma vitória sua ou dele.