Dizzy para Presidente

Bogotá, 6 de junho de 2025

Uma das primeiras coisas que faço no meu dia é escolher um disco para escutar. E tenho a superstição de que isso definirá o rumo das coisas dali em diante. Ou seja, não é nada fácil. Escolher uma trilha sonora exige repertório, perspicácia e atilamento — são quase virtudes teologais, é verdade. Não sou adepto da ideia de que certas trilhas são incontestáveis, mas acredito piamente que algumas são mais universais que outras. Refiro-me, em especial, ao jazz.

Mas o que é o jazz? Segundo os historiadores, o jazz foi criado na terra do Tio Sam, mais exatamente no sul dos Estados Unidos, em New Orleans, e seria tributário da cultura afro-americana e dos cantos entoados nos campos de algodão durante a escravidão. Mais do que um gênero musical, o jazz se tornou, ao longo da história, uma maneira de tocar — e pode ser ouvido nas mais diversas culturas. Em terras tupiniquins, temos um bom exemplo na fusão entre jazz e samba nos discos de Raul de Souza (trombonista de primeira). Da mesma forma, encontramos o jazz fundido com a música israelense nos discos de Avishai Cohen ou misturado à música caribenha nas mãos do pianista Michel Camilo. O jazz é camaleônico.

Mas que maneira de tocar é essa? O jazz tem como fundamento a liberdade e a criatividade, ambas traduzidas em improvisação. Esse é o ponto central. Tecnicamente, parte-se de uma melodia principal (chamada de tema), que inicialmente é tocada por todos os músicos para, em seguida, cada um apresentar um solo criado ali, na hora, no calor do momento. Grande parte da história do jazz foi assim. A partir do bebop, porém, a coisa começou a complicar. Liberdade e criatividade — o que mais pode querer o ser humano? O jazz é democrático, eis uma de suas maiores virtudes.

Todas as manhãs, tenho o saudável hábito de escolher um álbum para escutar, geralmente de jazz, e, enquanto tomo uma xícara de café, cultivo o péssimo hábito de ler os jornais. Não me julgue — todos temos nossos impulsos masoquistas. Faz algum tempo que essa dupla inscrição no dia me exige um equilíbrio entre a contemplação inebriante das melodias e o duro real das atrocidades de Donald Trump. Como um mesmo país pode ter produzido coisas tão antagônicas? Paulatinamente, o democrático jazz vai sendo sobreposto pelo barulho ensurdecedor do homem laranja que figura em boa parte das manchetes internacionais. Ok, a democracia está longe de ser um sistema perfeito, mas é, sem dúvida, o menos pior. Viver em uma democracia, no entanto, significa nunca descansar. Você deve concordar. Platão escreveu que ela é um cavalo nobre e lento que precisa ser provocado para que desperte. E não é só isso: a democracia sofre de narcolepsia, uma disfunção de nascença. Manter o cavalo em vigília tem exigido cutucões cada vez mais agressivos. Você pode argumentar que isso ocorre porque o cavalo se acostumou, primeiro, aos sussurros; depois, aos gritos; hoje, resiste insistentemente aos tapas. Mas imagine, meus amigos, se a democracia fosse tocada (no sentido de “empurrada”) com música. Que maravilha!

Em 1964, Dizzy Gillespie, um dos maiores músicos de jazz de todos os tempos, pensou em levar a liberdade e a criatividade do jazz à Casa Branca. Dizzy se candidatou à presidência dos Estados Unidos. A campanha incluía como promessa de gabinete outras lendas do jazz: Duke Ellington seria o Secretário de Estado, Max Roach, o Ministro da Defesa, Ray Charles, Diretor da Biblioteca do Congresso, Louis Armstrong, Ministro da Agricultura. What a wonderful world. Sob a presidência da trupe jazzista, a Casa Branca seria rebatizada de Casa Blues. Tudo não passou de uma brincadeira, é claro. Mas...

Vamos aos discos — esses, sim, papo seríssimo. Depois de passar pelo Intercept, pela Página 12, pelo Mail & Guardian, El Ciudadano, Jacobin e outras torturas mais, estou aqui tentando recuperar o humor ouvindo Groovin' High, do Dizzy. É um disco lançado em 1955 que reúne gravações de diversas performances do trompetista. Por se tratar de uma compilação, você encontrará diferentes formações, instrumentações e músicos. Vista os fones e vamos à luta, camaradas.

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