Tatekieto ou como dançar sobre a irreconciliação
Rio de Janeiro, 25 de maio de 2025
Garimpar álbuns online, ao contrário do que se pode imaginar, é uma luta constante contra o algoritmo. A explicação é sucinta: ninguém sabe exatamente como funciona a caixa-preta, mas a experiência nos mostra que dois elementos são fundamentais no mecanismo coercitivo do Deus-máquina. Primeiro: ele opera sem criar rupturas na experiência de audição — em bom português, trabalha de modo que você não perceba que sua playlist terminou e que, a partir daí, as rédeas passaram para as mãos dele. Segundo: ele tenta empurrar goela abaixo (ou ouvido adentro) músicas que um grupo representativo de pessoas, que aparentemente tem o mesmo perfil de ouvinte que você, está escutando. O problema é que, na luta contra o programa, você nunca sabe se o que está escutando é fruto de uma vitória sua ou dele.
Fato é que, em uma dessas batalhas, cheguei a um dos álbuns mais interessantes lançados em 2025 — até agora, segundo a limitada escuta deste que vos escreve. O álbum se chama Tatekieto e é assinado pela banda franco-colombiana Pulciperla. Pulciperla é a fusão de duas outras bandas: Pulcinella (França) e La Perla (Colômbia) — esta última aparece na ilustração deste texto. À primeira escuta, o que mais me impressionou foi a imprevisibilidade de cada faixa, de cada arranjo, de cada letra. Tenho escutado muita coisa que se produz no Sul Global. Tem muita coisa boa rolando por aqui e por aí, mas ainda persiste uma dinâmica de subjugação das musicalidades afro-indígenas às lógicas, aos beats, às harmonias e às texturas das pistas gringas — quer dizer, do capital — o que é um pé no saco. Mas aqui a coisa é diferente. Tatekieto é o contrário disso. Com Pulciperla, o movimento é desde abajo, isto é: são as musicalidades locais que determinam o resto. Ao fim e ao cabo, o que essa turma faz é devolver a dimensão política inerente à inventividade que tantas vezes foi fossilizada em discursos folclorizantes.
E tem mais: em um país onde a violência política e a desigualdade de gênero ainda assombram os palcos e as ruas (estou falando da Colômbia), o trio La Perla — base do projeto, formado por Karen Forero, Giovanna Mogollón e Diana Sanmiguel — tem sido uma das vozes mais vibrantes da música colombiana. Com raízes no bullerengue, na champeta, no rap e nos tambores afro-caribenhos, são elas que ditam o ritmo: com o pé na porta, sem pedir licença para existir. Como elas mesmas se descrevem: Expertas en ponerte a gozar.