O som do jazz (ou Meu engenheiro preferido)
Aeroporto de Lima, 28 de maio de 2025
Desde que me lembro de mim, gosto muito de música. Além de escutar muita música, sempre gostei de pensar e de falar sobre ela. Sou um instrumentista amador: estudei um pouco de piano na infância e na adolescência, mais tarde me dediquei por algum tempo ao pandeiro, tive bandas e cheguei a tocar em bares e festas. Apesar de ter perdido a prática, ainda sei ler, aos trancos e barrancos, uma partitura. Digamos que, em termos de música formal, sou alfabetizado, mas não fluente. Gravei meia dúzia de faixas que se pode encontrar na internet com algum esforço — e ouvir com mais esforço ainda. E a coisa parou por aí, porque sempre houve uma grande incompatibilidade entre o que eu gosto de ouvir e o que consigo tocar. Com o tempo, esse desencontro se tornou insuportável — para todos — e preferi deixar o instrumento de lado. Confesso que vez ou outra cometo uma letra de canção, mas isso é outra história. Canção, para mim, está na gaveta da literatura. É outro papo.
A questão é que, de alguns anos pra cá, mais do que gostar de música, comecei a me interessar profundamente por som. Já fui daqueles aficionados meio chatos, catalogando estúdios de gravação, produtores e engenheiros de som cujos trabalhos me chamavam a atenção, as melhores mixagens, os equipamentos e os plugins usados pela turma. Há quem diga que ainda sou esse cara. Em minha defesa, diria que o cotidiano e os boletos me obrigaram a viver minhas obsessões em baixa intensidade. Além disso, a audiofilia é um hobby caro — as restrições financeiras me fizeram baixar a bola e regredir para um meio-termo aristotélico.
Dito isso, quero mencionar um álbum que, para mim, é o grande paradigma do jazz — não só em termos de música, mas em termos de som. É uma das obras que contribuem para minhas recaídas audiófilas: Saxophone Colossus, álbum do saxofonista Sonny Rollins, lançado pelo selo Prestige Records.
Foi precisamente no dia 22 de junho de 1956 que Rollins, acompanhado por Tommy Flanagan (piano), Doug Watkins (baixo) e Max Roach (bateria), entrou no estúdio de Rudy Van Gelder, em Hackensack, Nova Jersey, para gravar uma joia da história do jazz. E é preciso que se diga: gravaram sem ensaio prévio. Diferentemente da Blue Note Records, cujos fundadores Alfred Lion e Francis Wolff sempre incluíam no orçamento um tempo significativo de ensaio, Bob Weinstock, da Prestige, com menos recursos, não permitia esse luxo. Mas a espontaneidade do plug and play contribuiu para o resultado final.
O que torna Saxophone Colossus tão especial não é apenas a performance brilhante de Rollins e seu grupo, mas também a forma como o som do estúdio Van Gelder realça a música. Van Gelder não era meramente um engenheiro de som — ele entendia seu ofício como arte e pensava o estúdio como um instrumento em si. E a questão não era exatamente o equipamento que ele tinha ou deixava de ter. O segredo estava na técnica de captação e no processamento do som. O “Van Gelder Sound”, como ficou conhecido, se apoia em quatro características que definiram a sonoridade de centenas de álbuns clássicos de jazz:
A primeira é o imediatismo. Enquanto a regra era um microfone captando a ambiência de vários instrumentos ao mesmo tempo, no estúdio Van Gelder cada instrumento recebia seu próprio microfone, cuidadosamente posicionado muito próximo. Isso criava uma presença e clareza sem precedentes, trazendo o ouvinte para mais perto dos músicos.
A segunda é o baixo nível de ruído. Van Gelder detestava chiado e desenvolveu uma técnica de gravar em um nível muito alto de decibéis para encobrir o ruído de fundo. Compare gravações dele com outras da mesma época e verá.
A terceira é o amplo palco sonoro. Sem os plugins de hoje, ele usava equipamentos de reverberação artificial para criar uma sensação de profundidade e dimensionalidade que se tornou marca do jazz moderno. A impressão é que estamos vendo os músicos.
E, para terminar: o piano. Para os iniciados, o som abafado do Steinway Model B do Van Gelder é parte fundamental de sua assinatura sonora — inconfundível.
O álbum Saxophone Colossus começa com “St. Thomas”, baseada em canções tradicionais das Ilhas Virgens, terra natal da mãe de Rollins. É uma das faixas mais conhecidas do saxofonista e um exemplo perfeito da microfonação próxima. O sax soa presente e detalhado, e a bateria tem uma definição rara para a época (e ainda hoje, aliás).
Um adendo: muito pouco — ou quase nada — do que estou dizendo será perceptível se você escuta música em caixinhas portáteis de qualidade duvidosa, muito menos nas embutidas do seu celular. Não é preciosismo: é uma questão de equalizar as expectativas.
Retomando: a segunda faixa, “You Don’t Know What Love Is”, mostra como Van Gelder, colocando o microfone no lugar certo e pilotando meia dúzia de botões, cria um ambiente íntimo. O sax de Rollins soa quente, e o piano de Flanagan, mesmo com aquele som abafado, tempera perfeitamente a harmonia.
Em “Strode Rode”, composição original de Rollins, ouvimos como Van Gelder captava o contrabaixo. Diferente de muitos engenheiros da época, que rebaixavam o baixo na mixagem, ele o trazia para frente, com presença e definição.
Em “Moritat”, Van Gelder capta os crescendos e diminuendos com precisão — é o que os iniciados chamam de dinâmica. Não era simples nos anos 50. Preste atenção também em como o palco sonoro cria a ilusão de que os músicos estão tocando em um espaço maior do que realmente estavam.
O disco encerra com “Blue 7”, uma improvisação de 11 minutos que é considerada uma das grandes performances de Rollins. É aqui que a técnica de gravar em volume alto brilha: mesmo os momentos mais silenciosos permanecem claros, sem serem obnubilados (palavra que adoro desde o ensino médio) pelo chiado da fita.
Pois é. O cara era um gênio. Definiu o som do jazz moderno sem tocar um instrumento. De longe, meu engenheiro preferido. Rudy Van Gelder morreu em 2016, aos 91 anos. Homens e máquinas ainda hoje tentam produzir o som que ele inventou.