Pixinguinha rejeita Vinicius e encomenda música a Aldir Blanc com aval de Mano Brown
Bogotá, 1º de junho de 2025
Nos últimos dias, as noites têm sido esse torpor suado entre o real e o delírio. Já conversei com minha avó falecida, entrevistei Baden Powell, e acordei assustado depois de sonhar com Maysa Matarazzo me oferecendo um copo d’água. Mas nada me preparou pro sonho da madrugada passada.
Tudo começou com Odeon, do Pixinguinha, que botei pra tocar baixinho no celular, tentando enganar o corpo pra dormir. (Pesquisando na internet, em uma noite dessas de insana insônia aprendi um lance de encontrar o ritmo da respiração dentro da música. Se você consegue, rapidamente o sono chega. Se ritmo não é a sua praia, nem tenta.) Fato é que a melodia de Odeon entrou no quarto como se fosse incenso. Fechei os olhos. Quando abri — no sonho — eu estava no Bip Bip, ali em Copacabana. Na mesa do canto, como se sempre tivesse estado ali, Aldir Blanc. Camisa amassada, caderno de anotações encardido, copo de chope. Tinha uma cara de quem já tinha discutido dois romances policiais e uma rodada do Brasileirão só naquela noite. Parecia inquieto.
— Pixinguinha me apareceu no sonho ontem — ele disse, sem me olhar. — Tocando Odeon como quem pede socorro. Quer letra, disse ele. Mas não quer Vinicius. Disse que pra esse tipo de música, flor não resolve.
Aldir me olha então, como quem me convoca pra testemunha.
— Você acha que eu dou conta?
Eu, febril dentro do sonho, só consigo balbuciar que Odeon é como uma avenida antiga — larga, nobre e cheia de assombros. Não é canção pra amorzinho mesmo não. Ele concorda, mas ainda hesita.
De repente, o clima dá uma pesada, todo mundo percebe. Mano Brown está ali. Na calçada, parado. Com aquele olhar de quem já viu mais do que devia antes dos vinte. Aldir se levanta, vai até ele. Eu sigo atrás, mas sem ser notado. Brown fala pouco, mas o papo é reto:
— Essa música é trincheira. Fala de polícia, de mãe chorando. Escreve você. É coisa pra malandro que viu navalha melada no espelho da pia. É muita treta pra Vinícius de Moraes.
Aldir faz que sim, respira fundo, e puxa do bolso um pedaço de papel. Começa ali mesmo, em pé, na calçada de Copacabana. Escreve com a pressa de quem sabe que vai acordar a qualquer momento. Brown assente, como um oráculo mal encarado. Braços cruzados, de costas pro bar, encarando a rua.
Quando acordo, Odeon ainda toca no celular — o repeat ativado, como se o sonho insistisse em continuar. A febre passou. Sento pra tomar o café da manhã. Tento seguir a rotina, uma vida de coisas atrasadas, mas não resisto: ouço de novo a versão com a letra do Vinicius, imaginando, entre um gole de café e outro, o que teria escrito o Aldir. E por um instante, juro que ouço.