Quem era o amigo do Tio Lobato?
Bogotá, 2 de junho de 2025
Anos depois, me mudei pro Rio de Janeiro. Comecei a ver Marcos Lobato passando pela rua, indo e vindo pelas Laranjeiras. Comentei com a Munah várias vezes: “Olha ali o Marcos Lobato!” E ela, invariavelmente: “Por que você não vai falar com ele?” Mas eu sou tímido pra essas abordagens. Se eu fosse falar com cada músico que admiro ali por Laranjeiras, não voltava pra casa. Não é que eu seja um grande entendido da cena — é que, ao que parece, todo mundo resolveu morar ali.
Até que um dia, estávamos tomando um açaí no Esperança Eco depois da escola do nosso filho, e quem vem na minha direção? Ele mesmo. Me olhou e perguntou: “A gente se conhece de algum lugar?” Claro que não. Mas aproveitei a deixa e disse que conhecia ele, sim — há muito tempo. E aí começamos a falar de Afrika Gumbe, de som, da vida. Dias depois, Lobato já estava ali, comigo na saída da escola, levando meu filho pro parquinho, fritando nas ideias. Quem tem filho sabe: a gente só faz novos amigos com quem trata bem nossos pequenos. A matemática, o xadrez e a simpatia ligaram meu garoto ao tio Lobato — e o cara ganhou o coração do papai. É simples assim.
Outro dia, estávamos nós três pelo Parque Guinle, quando um homem de meia idade com cara de quem pegou uma estrada de chão na vida, se aproximou, contou sua história e pediu uma grana. Falava com pressa, quase sem respirar, atropelando palavras, como quem tenta despejar tudo de uma vez antes que o outro se canse ou desvie o olhar. A história era densa, sofrida, mas a velocidade com que vinha tirava dela parte do peso — ou do efeito. Eu já estava pronto pra dizer ao sujeito que não tinha um puto no bolso e ver o cara sair, quando Lobato, com a gentileza tranquila de quem presta atenção no mundo, mudou o rumo da história: disse que também estava sem dinheiro mas que podia ajudá-lo, então convidou o homem pra sentar.
Não foi um gesto qualquer. Ele ouviu com atenção verdadeira — e, logo depois disse ao homem, com paciência, que ele estava, na prática, vendendo uma história. E que, pra conseguir comer no fim do dia, precisava aprender a vendê-la bem. Não se tratava de inventar nada — a vida já era dura o suficiente. Era justamente por ser injusta, e porque ninguém tem tempo pra nada, que ele precisava saber como tocar o outro. “Se você chega contando tudo de uma vez, atropelando, a pessoa só ouve barulho. Você precisa construir a escuta do outro”, disse ele. Era como montar um arranjo: tem a introdução, tem o motivo principal, tem a hora do silêncio antes da virada.
E aí Lobato começou a mostrar ali mesmo — como se desse uma oficina relâmpago no meio do parque. Pediu pro homem respirar fundo, contar a mesma história de novo, dessa vez com calma. Reorganizou a ordem dos fatos, sugeriu um começo mais simples, uma pausa aqui, um detalhe acolá. O homem ficou ali, entre surpreso e confuso, tentando repetir com mais cuidado o que antes vinha feito avalanche. E, aos poucos, a história ganhou outro corpo. Era a mesma — mas era outra. O cara se ouviu e, por um instante, pareceu inclusive se entender melhor. Eu, do meu lado, entendi um pouco mais o Lobato. Meu filho, lá do alto do escorregador, olhando tudo à distância, não entendeu nada. Ou entendeu tudo, sei lá.
Deu hora do almoço, Lobato foi pra casa dele, nós pegamos a bicicleta pra voltar pra nossa. Seguimos em silêncio por algumas quadras, cada um com a cabeça num lugar. Até que, da garupa, veio a pergunta:
— Pai, quem era o amigo do tio Lobato?